Quebra da Cadeia de Sofrimentos

O que é o perdão?

Segundo o dicionário Aurélio, perdão é :

1. Remissão de pena; desculpa; indulto.

2. Renúncia de pessoa ou instituição à adesão às conseqüências punitivas que seriam justificáveis em face de uma ação que, em níveis diversos, transgride preceitos jurídicos, religiosos, morais ou afetivos vigentes.  

 

E o arrependimento?

Ainda segundo o dicionário Aurélio, arrepender-se é

1. Sentir mágoa ou pesar por faltas ou erros cometidos:

2. Mudar de atitude, de procedimento, de parecer; voltar atrás em relação a compromisso assumido

Na minha opinião, o perdão é uma chave que liberta nosso espírito dos sofrimentos que impomos a outros espíritos. Não necessariamente só nesta vida, mas em vidas anteriores. E o arrependimento é sim uma mudança de atitude, para melhor, pois será uma atitude mais condizente com a realidade.

 

Quebra da Cadeia de Sofrimentos

      A minha mãe era rancorosa comigo, raivosa, vingativa, agressiva, eu sabia que não era só comigo, era como se ela tivesse raiva do mundo e muitas vezes dizia que nunca queria ter nascido, que havia nascido para sofrer, que queria que “Deus a tirasse desse mundo”, enfim, eu ouvi essas frases durante toda a minha infância, mas eu sentia que comigo era diferente, comigo a raiva tomava proporções muito maiores. Algumas vezes, raras, surpreendi-a num gesto de carinho e afeto comigo, mas na grande maioria das vezes, não era isto que acontecia, lembro de quando era criança que muitas vezes ela me olhava com tanta raiva nos olhos que eu sentia medo, sim, o medo era constante, medo de que ela me abandonasse, medo de que brigasse comigo, medo de que não fosse me buscar na escola, medo de que ela morresse, medo de que me internasse num colégio interno e me deixasse lá, pois isto era uma ameaça constante. Segundo palavras dela, eu a incomodava, não a ajudava, eu a fiz sofrer durante o período de gestação, fiz sofrer na hora do parto, durante os primeiros meses, pois era muito doente e chorava demais.  

Fui crescendo nesse ambiente de raiva, medo e insatisfação. Durante o período escolar, ela nunca me ajudou a fazer uma tarefa sequer, nunca perguntou sobre aulas ou sobre as professoras, se eu estava aprendendo ou não, mas fazia bolos deliciosos e pedia que eu levasse de lanche, outro dia comprava roupas bonitas e queria que eu usasse. Eu sentia que ela se importava com o que os outros pensavam dela, queria passar uma imagem de mãe amorosa, então preparava lanches, comprava roupas, mas eu não queria nada disso, não gostava quando ela aparecia com roupas em casa, vestia e me sentia muito mal, eu era muito magra e as roupas não ficavam bem, então ela dizia que eu devia ser como as outras meninas que eram “gordas e bonitas” e eu era magra e vivia doente, me sentia feia. Este sentimento me acompanhou durante toda a infância e fui entendendo e adaptando como toda criança faz:: minha mãe não gostava de mim porque eu era feia, porque eu era magra, eu a havia feito sofrer para nascer, ela iria me internar num colégio interno se eu não a fizesse gostar de mim. Mas como fazer isto? Eu me empenhava ao máximo, comecei a ajudar nos serviços domésticos, mas nunca era o suficiente, sempre as filhas das amigas dela faziam melhor, então encontrei uma válvula de escape: o estudo. Isto era bom, eu conseguia tirar boas notas, ela ficava alegre, eu estudava mais, ela gostava, me via ocupada com livros, chegava a me elogiar e assim cada vez mais eu queria estudar. Passava horas lendo na minha adolescência, leituras boas, outras nem tanto, outras ruins, enfim, eu lia tudo o que chegasse em minhas mãos.

Cheguei na fase de término de adolescência e início de juventude muito confusa, não tinha um conceito sobre mim mesma, me sentia feia, dependente da mãe, com medo do mundo, insatisfeita comigo mesma. Imaginava o dia em que eu iria me casar e ter minha vida, minha casa, meus filhos e poderia sair de casa. Iria trabalhar e viveria feliz.

Durante esse período de desordem íntima conheci um rapaz, então a situação piorou e ficou insuportável. Ela não conseguia admitir que eu namorasse, colocava defeitos no rapaz e quanto mais ela falava, mais eu me apegava a ele, quanto mais ela desfazia dele, mais eu dizia que era com ele que eu queria ficar, brigávamos muito, na maioria das vezes eu me calava para ela pensar que eu aceitava o que ela dizia, mas dentro de mim era um turbilhão de raiva, de angústia, de insatisfação, de vontade de sair dali e nunca mais voltar, nunca mais ter que olhar para ela. Por outro lado, o rapaz me achava bonita, me via somente como um corpo, mas para mim não tinha a menor importância, pois ele dizia que gostava de mim, isto era importante, alguém gostava e se importava comigo.

Finalmente eu consegui casar com ele, isto para mim foi o máximo, eu consegui! Estas palavras não saiam da minha cabeça. Mas logo as decepções começaram a chegar e eu não me sentia feliz, tudo o que eu havia almejado, começou a dar errado. Fui mãe também e comecei a analisar um outro lado da situação, tinha medo de ser igual a minha mãe, tinha medo de repetir todo o processo com que eu fui criada. Eu não queria repetir a mesma coisa.

Foi quando uma amiga sugeriu que fizesse terapia com uma psicóloga que havia chegado na cidade, consegui entender um pouco do processo psicológico da minha mãe, comecei a perceber que ela nunca havia sido uma mãe de verdade, nunca havia me dado amor e carinho como uma criança precisa. Aí veio o ressentimento, a mágoa, a dor, o sofrimento, me sentia injustiçada, me sentia triste, mas ao mesmo tempo precisava perdoá-la, ela não havia feito por mal, apenas descarregou a frustração de sua vida, do seu casamento, nos filhos e em mim principalmente por ser a mais velha, por ser a primeira.

Tentei uma reaproximação dolorida, mas ela não queria, nesta época estava ainda mais amarga, estava doente, já tinha se tornado alcoólatra e depressiva. Passava os dias em casa, não acendia as luzes, ficava trancada, se escondia das pessoas, fumava o dia inteiro e cada vez mais doente. Eu comecei a levá-la ao Centro Espírita, mas ela era indiferente à isto, eu conversava sobre o que havíamos escutado na palestra, tentava despertá-la para alguma coisa, mas era em vão, tentei aproximá-la das pessoas que prestavam serviço voluntário ao Centro Espírita, mas ela não queria. Nessa época ela ficou mais doente, os médicos não deram mais esperança, um derrame cerebral havia tirado seus movimentos físicos além da capacidade de memória, de lembranças, e que a deixou dependente de ajuda até mesmo para as necessidades mais básicas. E agora, eu me perguntava, como continuar ao lado dela depois de tudo o que havia acontecido, ela não havia me pedido perdão por todo o mal causado em minha vida, eu a culpava da minha insatisfação, do meu casamento impensado, enfim, de tudo o que havia de ruim me acontecido.

Nessa época comecei a estudar o Misticismo Cristão, na Fraternidade Rosacruz, e compreendi que devemos amar incondicionalmente, comecei a compreender que ela teve motivos para ser assim, eu fui ainda pior do que ela, pois tendo mais consciência, como não consegui inverter a situação? Como deixei chegar no ponto que chegou?

Senti que para ela deve ter sido muito difícil me receber, pois na primeira tentativa, ela sofreu um aborto involuntário, mas fizemos mais uma tentativa e dessa vez eu nasci. Causei muito sofrimento para ela conseguir dar à luz, o que foi motivo para ela sempre reclamar que eu a fiz sofrer para nascer. E assim compreendi que eu precisava do perdão dela, e não ao contrário. Sim, eu que me julgava merecedora de pelo menos um pedido de desculpas, descobri que eu precisava pedir perdão para conseguir romper a cadeia de sofrimentos que estávamos vivendo. Por onde começar, como esquecer todas as mágoas, eu me perguntava e continuava com as indagações dentro de mim, como esquecer tudo o que aconteceu, como pedir perdão se ela sequer lembrava meu nome? E fui percebendo que um nome não é nada, é somente uma forma de sermos chamados, o importante é nosso espírito que é imortal, que não tem nome, nem sexo, nem grau de parentesco, somos irmãos e filhos do mesmo Pai, nosso Criador. Fui fazendo uma introspecção e percebi que havia muito a me arrepender, me arrepender por não ter feito isto antes, por ter permitido que a situação chegasse naquele ponto e não ter agido antes. Me arrepender por não ter tentado entendê-la e dar o amor que ela esperava receber. Ela fez muito por mim, me carregou em seu ventre, me proporcionou a oportunidade de renascer nesta vida, me amamentou, me cuidou quando era bebê e quando ficava doente. E eu nunca havia agradecido a ela por isto, muito pelo contrário, havia nutrido raiva por muito tempo. Compreendi que ela é um espírito em luta, um espírito imperfeito e que está em aprendizado, assim como eu. E o arrependimento veio, um arrependimento sincero e dolorido, o arrependimento tem uma força que não fazemos idéia. E eu me arrependi, sinceramente.

Dessa forma iniciei lentamente, um processo de pedir perdão, primeiro interiormente, depois fui externando aos poucos. Mesmo sem ela saber mais meu nome, eu conversava com ela, pegava nas suas mãos atrofiadas pela doença, passava a mão nos seus cabelinhos brancos que eu gostava tanto de pentear quando era criança, beijava sua testa, pedia perdão, dizia que a amava, que era a minha mãezinha amada, ela me olhava e não respondia, continuei insistindo até que um certo dia, ela me olhou nos olhos e disse que não havia mais nada para perdoar. Nesse dia eu chorei muito, me sentia aliviada, chorava de alegria, sabia que havia dado um passo muito importante e decisivo para romper toda a cadeia de sofrimentos. Compreendi que daquele dia em diante, a vida teria outro sentido, tanto para mim quanto para ela, nossos espíritos estavam livres da mágoa e da raiva, sentimentos que prendem e que não permitem a evolução. Hoje em dia, quando passo na casa dela e digo: Eu te amo, mãe, ela responde: eu também te amo. Eu sei que ela está sendo sincera. Graças a Deus tivemos uma oportunidade de romper com os sofrimentos e os ressentimentos, estamos livres para continuarmos nossa vida sem nenhum elo de rancor que possa nos ligar em outras vidas. Com este passo importante, conseguimos desfazer o mal praticado por ambas as partes, transformei a raiva em carinho, em afeto, em perdão e não carrego mais comigo as más ações que poderiam pesar numa próxima existência. Aprendi com esta oportunidade que quanto mais conseguirmos nos redimir do mal praticado ainda nesta existência, mais poderemos evoluir e assim, iniciar uma próxima existência com novos objetivos sem deixar fatos mal resolvidos para trás.

Agradeço a Deus por ter me permitido vislumbrar tudo o que ela fez de bom para mim, pois o fato de eu ser o que sou hoje, dependeu muito da minha infância e de tudo o que eu vivi naquela fase, me ajudou a compreender melhor as pessoas e, principalmente, a necessidade do Perdão.