Vida Além da Vida

de Clério de Souza Oliveira

 

Capítulo 4  

 

Do outro lado

   

 Isabela acordou em um lugar que parecia ser um quarto de hospital, mas era muito claro, uma claridade estranha. brilhante, mas não ofuscante. Não sentia qualquer dor, lembrava que ao examinar a nova arrumação feita pela gerente recém-contratada sentira uma falta de ar e depois mais nada. Aonde será que estava?

A porta se abriu e entrou uma senhora, simpática, vestida com roupas brancas:

_ Como está se sentindo minha filha?

_ Estou bem, onde estou? Quero ver meus filhos.

_ Calma! É melhor você descansar.

_ Eu não estou cansada. Chame meus filhos! Eles são médicos, saberão dizer se estou ou não bem.

_ Acalme-se! Tudo será resolvido.

_ Desculpe-me minha senhora, mas porque não chama um médico? Porque aqui não tem campainha ou algo para que se possa chamar alguém? Isto aqui é ou não um hospital?

A senhora sorriu e dirigiu-se para a porta.

 Isto aqui só pode ser um hospital público. Para ser assim tão desorganizado. Minha filha trabalha num hospital ótimo. Vê se fala com um médico! Eu quero ser transferida, imediatamente, para lá.

O tempo passou, ela tentou se levantar e sentiu uma tonteira estranha, apoiou-se na cama. Caminhou até a janela e ficou mais intrigada ainda, lá fora era totalmente diferente de tudo que conhecia, era lindo, tudo muito organizado e limpo. As árvores não lhe permitia ver muito ao longe.

Repentinamente ouviu sua mãe chamá-la, e estava em seu quarto.

Pensou que estava sonhando, levantou-se e estava completamente vestida, como ficava quando não pretendia sair. A porta do quarto estava aberta, saiu. Ouviu sua mãe chorando no quarto ao lado e correu para lá.

Entrou dizendo:

_ O que você está sentindo?

Sua mãe não respondia. O que será que aconteceu? Não lembrava de nada. Será que haviam feito ela beber alguma coisa? Sentia-se zonza, desnorteada.

_ Mãe, o que você têm? Porque não fala comigo?

Sua filha chega à porta e se dirige diretamente para a avó, abraçando-a. Calma vó! Ela está bem, com certeza vovô está cuidando dela agora.

_ De quem vocês estão falando? O que aconteceu? Porque você está falando do seu avô? Será que todo mundo endoidou?

_ Vamos vó, vamos lá para sala, está passando um bom filme. Não adianta ficar assim. Mamãe não gostaria de te ver chorando assim por ela. É até provável que ela iria brigar contigo.

_ Eu não estou entendendo. Porque vocês falam como se eu estivesse morta? Eu estou aqui, inteira, respirando, andando, falando com vocês. Que brincadeira idiota é esta?

Avó e neta passam por Isabela, atravessando-a e saindo do quarto.

_ Eu estou morta. Como pode ser isso? Cadê os anjos? Aonde é o tribunal de Deus para eu ser julgada? Não há nada. Só eu, do mesmo jeito que estava. Se eu estou morta porque não estou flutuando? Quem vai tomar conta das lojas agora? E o meu dinheiro? O que vão fazer com ele. Isto é muito injusto, trabalhei feita uma condenada, e agora?

Desconsolada e sentindo-se fraca dirigiu-se para seu quarto, deitou e adormeceu.

Vozes alegres a despertam. Sua mãe, Paula e Berta falam com entusiasmo. Sua filha faz sinal de silêncio e solenemente anuncia:

 _ Querida avó e querida sócia, amanhã à esta hora estaremos inaugurando o Centro de Saúde e a Escola de Primeiro e Segundo graus Isabela..., onde daremos assistência à centenas de jovens e crianças carentes, bem como poderemos restabelecer a saúde deles e de suas famílias.

_  Meus parabéns minha neta, sua mãe estaria orgulhosa se estivesse aqui.

Isabela fica revoltada.

 _ O quê? Hospital e escola para carentes? Com o meu dinheiro? Como elas puderam fazer isto? Minha mãe já está velha, não pensa direito, mas Paula! Aonde foi parar aquela estória de centro de repouso para pessoas abastadas? Ela mentiu para mim, era só para tirar o meu dinheiro. Mas isso não vai ficar assim. Adriano tem que saber disso. Aposto que foi aquela pobretona da namorada dele que encheu a cabeça da minha filha. Paula não faria isto comigo. Com certeza foi ela que tramou tudo. Mas é claro? Ficou sócia sem entrar com um tostão, e eu, idiota, paguei cursos para ela, para aprender a roubar o meu dinheiro. Ah! Não vai ficar assim!

_ Com licença.

_ Quem é você? Como entrou aqui?

 _ Desculpe-me madame. Sou Adolfo... Não pude deixar de escutá-la e sentir-me igualmente revoltado com a tramóia que montaram contra o patrimônio da senhora.

_ Eu, eu me sinto abandonada. Traída.

 _ E não é por menos. A senhora é até muito forte, eu estaria totalmente arrasado. Lutar na vida como a senhora lutou. Sair de baixo, subir sozinha e alcançar uma fortuna que poucos conseguem e depois vê-la ser dilapidada com um bando de preguiçosos. Mas confie em mim, eu estou deste lado há mais tempo que a senhora e saberei como ajudá-la para que se faça justiça.

_ Muito obrigada, senhor. Senhor?

_ Adolfo, às suas ordens.

 _ Não sei nada daqui, como é este lado. Nem sei que lado é este. Quando jovem ficava sonhando com um campo de flores, cheio de fadinhas, mas agora vejo que não é nada disto. Vejo que é um inferno quando temos que conviver com a ingratidão daqueles que ficaram. Seria um céu se eles valorizassem todo o meu esforço.

 _ Não se preocupe! Daremos um jeito para transformar tudo num belo céu para a senhora. Confie em mim.

_ O que devo fazer?

_ No momento temos que providenciar uma reposição de energias para você.

_ Como assim?

_ Bem, agora não tens mais um corpo igual ao que tinhas, aquele foi enterrado.

_ E o que é isto então? Uma miragem? Eu sinto ele, sinto fome, sinto tudo.

 _ Sim, é um corpo, mas não um corpo com a mesma matéria do outro. A matéria deste é mais leve, por isso os que ainda usam o outro corpo não nos vêem e nem nos ouvem.

_ Mas nós estamos vivos?

_ É claro que sim. Morte não existe. Foi uma invenção das religiões para ter um bando de beatos.

_ Nunca gostei de religião.

_ Claro, a senhora é uma pessoa muito inteligente, muito acima da maioria das pessoas.

 _ Bem, e como vou aliviar minha fome? Eu não tenho mais dinheiro comigo, mas se tiver um jeito, eu tenho dinheiro no exterior, creio que eles ainda não descobriram.

 _ Não! Que é isso? Para mim a senhora tem crédito total. Faço tudo por obrigação que tenho para uma pessoa que lutou muito e venceu, para um exemplo de mulher a ser seguido por muitas gerações.

 _ Obrigada! Mas vamos, homem, como vocês conseguem repor as energias. Estou me sentindo fraca novamente.

_ Vejamos, que pessoa, ainda lá, consideraria ser igual à senhora, com a mesma forma de pensar?

 _ Meu filho, Adriano. Agora que minha filha está sendo ludibriada por essa bandida, somente sobra ele.

_ Então vamos, pense nele que estaremos logo lá.

 Pegando-a pelo braço, Adolfo transportou-a até o consultório de Adriano, que neste momento estava ao telefone.

 _ Como é? Vamos fazer negócio naquele barco ou não. Estou perdendo a paciência, vou acabar mandando vir um para mim lá dos States, e você vai ficar sem minha grana.  

 _ Tá bom, tá bom, espero só até segunda. Tchau.

Adolfo apontando para Adriano, fala:

 _ Dona Isabela. agora chegue perto dele e fale sobre a sua fortuna, sobre tudo que ela propicia para aquele que a sabe usar. Fale calmamente ao seu ouvido.

 Isabela aproximasse do filho e fala ao seu ouvido, imediatamente Adriano reage à influência e pensa no dinheiro que herdou. A mãe sente-se cada vez mais forte, enquanto o filho sente uma leve dor de cabeça e busca nas gavetas um comprimido para tomar. Pensa que está trabalhando demais, que precisava urgentemente do barco que iria comprar e poderia tirar umas boas férias e fugir do stress que aquela dor de cabeça anunciava.

 Já totalmente refeita afasta-se do filho, mas sente um pouco de remorso. Seria correto fazer aquilo?

Adolfo pega-a pelo braço e percebendo as dúvidas que a povoavam diz:

_ Lembra-se de quando estava grávida do seu filho?

_ Sim, claro que me lembro.

 _ Pois então, durante aquele período quem podia se alimentar era a senhora e ele retirava de você a energia para ele. Tenho certeza que ele não sentiu nenhum remorso, porque agora que a necessitada de energia é a senhora ele não pode contribuir.

_ Sim, você tem razão, é que isto é tudo novo para mim. Aqui todos devem fazer assim, não é?

 _ Claro que sim, mas como a senhora é uma pessoa evoluída só necessita influenciar seu filho à boas coisas.

 _ Porque? As outras pessoas não fazem assim?

 _ Infelizmente não. Os beberrões, os drogados, toda esta marginalidade precisam influenciar as mesmas coisas aos seus iguais. Imagine, tem que ficar grudado a gente fedendo, dentro de bares, boates.

 _ Cruz credo! Bem que eles merecem, em vez de trabalharem passaram a vida na preguiça.

 _ Isto mesmo. Já a senhora só necessita incentivar o seu filho a produzir energia, como fizeste. Ele tenderá a ficar mais rico e terá uma vida cada vez melhor.

 _ E minha filha?

 _ Sinto muito, quem sabe se conseguirmos afastar aquela ladra de perto dela a senhora poderá ter alguma chance.

 _ Sim, tenho que conseguir isto. Mas como?

 _ Amanhã haverá a inauguração do hospital, temos que fazer seu filho interessar-se por ir também. Ele descobrindo os atos da namorada, com seu aconselhamento, tomará uma atitude.

 À noite Adriano entra em casa, só a empregada está e avisa-lhe que a janta já vai ser servida. Ao ela se retirar faz como se lembrasse de alguma coisa, retorna, retira do bolso do uniforme um telegrama, e entrega dizendo que o carteiro havia esquecido de entregá-lo junto com as outras correspondências à Paula e tendo retornado quando esta já saíra.

 Adriano abre o telegrama e lê. Era alguém se desculpando por não estar na inauguração do Centro de Saúde e da Escola e elogiando-a pela obra filantrópica. Não conhecia o remetente, mas isto não importava. Seu sangue subiu à cabeça sentia-se, inexplicavelmente, traído. Pensava que a irmã estava usando o dinheiro que também era dele, e dando-o para os pobres. Gritou pela empregada que já havia se retirado. Ao ela apontar na porta perguntou pela sua avó e pela irmã. A moça assustada com os gritos informou-o que elas iriam dormir na casa do sítio de Paula e ficariam o fim-de-semana todo lá. Pegou o telefone e ligou para a casa de Berta. Ninguém atendeu. lembrou­se então que ela o havia avisado que estaria fora no fim-de-semana, que iria a uma inauguração beneficente. Quando ela falou sobre isto não deu importância, não tinha nada com estas coisas, mas respeitava as opiniões de sua namorada. Foi para o quarto, sentia-se muito cansado. No dia seguinte saberia o que fazer. Agora tinha que dormir.

  

* * *

Capítulo 5